Não perca o rebolado
Nem tudo deu certo no ano que passou? Aproveite, então, para ajustar o foco dos seus planos desde já. Comece o ano com o pé direito, deixando a vida fluir – e entendendo que os erros, tanto quanto os acertos, fazem parte dela
texto Débora Didonê fotos Manuel Nogueira
Quando o ano acaba, vem uma sensação de alívio. Ufa, mais uma etapa foi cumprida! Mas bate a ansiedade do que está por vir. O que me espera? Pesa-se o que deu e o que não deu certo. Lembra-se do que ainda não se conquistou... É fato. Embora cada dia seja precioso, é nessa virada que refletimos melhor sobre o sentido da vida – quando nos propomos à quebra da rotina, à pausa no trabalho, à viagem para ver família e amigos, ao descanso. Também vem à tona a sensação de finitude. “Cada ano é um a menos de vida e um a mais vivido. Isso nos remete a todas as nossas metas e ao limite da existência”, diz o psicólogo Carlos Alberto de Oliveira Carvalho. No dia da virada, porém, o peso dos planos que saíram meio tortos – ou nem saíram – e das situações chatas é sublimado pelas boas expectativas. Já dizia o poeta Mário Quintana: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano / Vive uma louca chamada Esperança”. À meia-noite de 31 de dezembro, o mundo é tomado por beijos e abraços. Deseja-se felicidade, paz e saúde. Como se controlássemos a vida, pensamos que tudo vai dar certo. E esquecemos que os “erros” fazem parte do enredo de 365 dias – um após o outro. Grande engano. “Quando planejamos algo, devemos estar receptivos aos sinais da sincronicidade, prestando atenção no que sentimos e no que acontece ao nosso redor para conseguirmos identificar as oportunidades que surgem”, lembra a psicóloga Regina Nanô. Trocando em miúdos, é preciso deixar-se embalar pela vida, adequando-se ao seu ritmo, a cada instante. Porque as surpresas vêm. E se você (ainda) não sabe, a vida é feita delas.
Buscando novos sentidos Quando a vida toma um novo – e inesperado – rumo, temos duas opções: bater com a cabeça na parede e perguntar “por que comigo?” ou encarar a situação de frente e dar sentido a ela. Ninguém está livre do perrengue. Quando tudo são flores, férias e festas, a vida chega de mansinho e... zupt!, puxa seu tapete. Foi mais ou menos o que aconteceu com um amigo publicitário carioca. Depois de um período de férias, ele voltou para trabalhar em outubro e, para sua surpresa, foi demitido no primeiro dia de volta. “Levei um susto, passei dois dias baqueado. Mas quando percebi que isso era fruto da minha insatisfação, relaxei e comecei a me preocupar com o que vinha sonhando nos últimos meses ou, talvez, anos”, conta Ricardo. Em vez de sair por aí procurando outro emprego, inscreveu-se nos cursos de roteiro, poesia e fotografia que sempre quis fazer e começou a escrever um romance. “Cada situação pede para que se pense no que é preciso mudar em si para atender à demanda externa. É como se regenerar”, diz Regina. Ricardo tem a vantagem de conseguir se sustentar até o começo do ano sem salário fixo: além de morar só, tem bens materiais e a família por perto. Mas isso tudo, somado à vontade de remanejar a vida profissional, falou mais alto que o senso comum do “fracasso” por estar desempregado.
Essa ideia de superação, aliás, é belamente descrita no recente filme italiano Caos Calmo (de Antonello Grimaldi), em que o protagonista Piero (Nanni Moretti), depois da morte da esposa, decide passar as manhãs na praça em frente à escola da filha de 10 anos até sua saída. Sua postura e a da menina são questionadas pela cunhada e o irmão, que não os veem soltar uma lágrima sequer durante o luto. Diariamente, Piero pede que a filha acene da janela da sala de aula, enquanto ele interage com vizinhos e frequentadores da praça. Despreocupado com o trabalho, faz os colegas saírem do escritório para irem ao seu encontro. Quando fica claro que o pior já passou, a filha explica que a situação (de ter o pai no portão da escola o dia inteiro) se tornava embaraçosa entre os amiguinhos. A singela conversa revela o quanto a dor de ambos foi abrandada pelo “acordo” que mantiveram. Segundo o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, autor do best-seller Sentido para Vida, alguém que tenha um “porque” pode conviver com qualquer “o que” e qualquer “como”. Piero não só encontrou seu “porque” (a filha), como seu “o que” (a praça) e seu “como” (as novas amizades) para lidar com a própria dor. Como no caso dele, todos temos que encontrar a boia na qual nos apoiar para não perdermos o rumo – ou corremos o risco de nos afogarmos.
Futuro distante Quando não nos prendemos ao passado, insistimos em projetar felicidade, bemestar e conquistas profissionais a um futuro beeem distante. E o chavão “ano novo, vida nova” deixa a desejar, já que a vida está sempre aquém do que se quer. Não agimos assim à toa. Desde bebês, somos constantemente influenciados por um rol de convicções sociais e perspectivas lançadas por pais, amigos, colegas da escola, faculdade e trabalho. Claro que não é fácil romper com esses valores e crenças. Mas avaliar o que motiva de fato a celebração de um novo ano pode ser um meio de dar um baile na mesmice perigosa que ronda nossas vidas. “Todo recomeço exige um olhar interno para o que quero e acredito, o que gero dentro e fora de mim e quem decide sobre minha vida”, diz Regina. Para a funcionária pública Valmira Alice Cardoso, de 58 anos, do amanhã não se sabe nada. “Só tenho a certeza de que uma força me faz superar qualquer dificuldade. E aprendi que sou a única responsável pela minha felicidade.” Criada nos idos de 1950 em Uauá, no sertão baiano, em uma família de 13 filhos – e numa época em que levava os estudos na base da decoreba e da palmatória –, Alice mudou-se para Salvador aos 22 anos. Passou por dificuldades, foi recepcionista e escriturária, formou-se em Geografia e prestou concurso público em busca de estabilidade. Hoje tem seu próprio apartamento e, sempre que pode, viaja pelo mundo. “Em toda minha vida, tive o sonho de ser livre, de não me submeter aos caprichos e desejos de ninguém”, diz.
Enxergar as próprias metas não significa necessariamente entrar num embate social, mas ter ética humana. No livro O Sentido da Vida, Dalai Lama afirma que a existência é impulsionada pela ação ética, o que inclui o respeito a si e ao outro e o entendimento da relação entre ação e efeito. Custou para que a paulistana Paula Andrea Stäger, de 31 anos, entendesse que o que buscava não estava nem em um futuro distante, nem nos anseios da família. A cada novo emprego em São Paulo, ficava mais triste. “Até que mamãe me viu chorar e disse: ‘Vá em frente’”, conta Paula. Em busca da cidade ideal, traçou quatro rotas no mapa do Brasil, pesquisou sobre condições climáticas, qualidade de vida e oferta de emprego e rumou ao Nordeste e Norte. Em dois meses, fixou-se em Manaus. A busca pela renovação foi tão presente que as dificuldades viraram ferramentas para seguir em frente. Até se firmar na área de arquitetura, Paula morou em albergue e fez pulseiras artesanais para sobreviver. “Minha produção foi tão farta que paguei aluguel e comprei um notebook”, diz. Em dois anos, cursou pós-graduação, foi contratada como engenheira de segurança do trabalho, comprou um apartamento e visita a família duas vezes ao ano. E vive muito mais feliz.
Nós, mutantes A história de Paula mostra que a vida está onde pulsa. E nem sempre esse pulsar está onde prevíamos ou imaginávamos. Resultados no trabalho, planos do casamento, roteiros de viagens... Tudo se transforma ao mesmo tempo que nós, humanos. Uma amiga disse: “Aceite o fluxo. Hoje você pode ser rio, amanhã fundir-se ao mar e, depois, virar chuva”. É bem por aí. Ninguém se dá conta do que é e de como é até que passe pela situação. E somos testados em cada (aparente) vão momento. Cabe a nós percebermos e abraçarmos as oportunidades que aparecem – mesmo que muitas vezes elas estejam fora daquele esquema que programamos. “É no agora que recebemos inspiração e é vivendo neste exato momento, plenos de atenção, que abrimos a porta para começar uma vida nova”, afirma a psicóloga Regina. Não quer dizer que precisemos abandonar planos e dar respostas imediatas às propostas que surgem. Mas, sim, que é preciso pensar no que se quer de verdade, sentir-se mobilizado por isso e aceitar o que está por vir, seja ele bom ou ruim. “O que nos causa sofrimento é nos enrijecermos com a ideia de que ‘tem que ser assim’ quando, na verdade, há uma razão para que seja de outra maneira”, diz a monja Coen Sensei, da Comunidade Zen Budista de São Paulo.
O ser humano é movido pelo dinamismo. “O que o diferencia dos outros seres é sua capacidade de ser consciente de si, do outro, da vida”, diz o psicólogo Carvalho. Para o psicoterapeuta e escritor Flávio Gikovate, evitar mudanças por não suportar períodos de dúvida e incerteza é ficar fadado ao atraso. “Em qualquer idade, (essas pessoas) farão parte do grupo dos que se tornaram velhos – conservadores, cristalizados em suas crenças”, afirma. O maior desafio é envelhecer fisicamente ao mesmo tempo em que se renova. Quando Sônia de Andrade Pereira tinha 9 anos de idade, seu pai perguntou o que faria na velhice. Ela disse: um jardim. Aos 68 anos, mora em uma casa de vidro na região da Serra da Bocaina, em Parati (RJ). “A casa é consequência daquele jardim. Costumo dizer que ela é como eu, aberta”, conta Sônia. Em meio às flores e aos sons de um riacho próximo, Sônia entendese em contínua transformação, curtindo cada plantinha e preguinho que coloca na casa. “A vida segue seu curso, indiferente em relação ao que você quer ou deixa de querer. Ela não se modifica em função da pessoa – somos nós que temos que nos modificar em função das circunstâncias”, diz.
Saber compartilhar Nem todo mundo tem o jardim de Sônia para devanear. Ao contrário, compreenderse humano e finito quando se está mergulhado no dia a dia é um desafio. No entanto, perder-se na multidão implica perder a si mesmo – e o sentido de viver. Por sorte, a convivência das festas de Ano Novo incita essa percepção. “Por meio do encontro, nós nos reconhecemos vivos uns nos outros”, diz Carvalho. Para o psicólogo, o segredo está em ver a si e ao outro como parte de algo maior. “É perceber o ser humano como um agente transformador, um elo que ajuda a sustentar o todo”, explica. Não se trata de assumir uma causa por amigos e conhecidos, mas de estar disponível para dedicar-se a pessoas ou lugares com os quais não se tem um relacionamento íntimo. Doar-se, mas sem perder o senso crítico. O vigia Severino Martins Pereira, de 36 anos, é um exemplo. Tornou-se jardineiro oficial da rua Aimberê, onde trabalha, no bairro paulistano de Sumaré, porque transformou as calçadas da quadra onde trabalha em uma minipraça. Começou quando decidiu plantar mudas no canteiro em frente à cabine para que os cães parassem de fazer cocô na calçada. Os vizinhos gostaram tanto dos jardins que começaram a levar plantas para Severino cuidar. “Acabei arrumando os canteiros de toda a calçada. Além de tornar meu trabalho mais prazeroso, fiz amigos e consegui serviços extras, cuidando do quintal dos vizinhos”, conta o vigia. Já a jornalista Ligia Terezinha Pezzuto, de 47 anos, tornou-se voluntária de uma igreja paulista ao sentir que os devotos desabafavam com ela quando a encontravam. “No Serviço de Escuta da igreja, simplesmente ouço os desabafos para ajudar as pessoas a se livrar de uma carga emocional e ter mais clareza do que estão vivenciando”, conta Lígia, que se dedica ao voluntariado há cinco anos. Cada um de nós pode contribuir para o bem-estar do aqui e agora. Se a vida surpreende, nós podemos nos surpreender ainda mais com o que somos capazes de fazer para vivê-la bem. A partir de agora.
LIVROS Nós, Humanos, Flávio Gikovate, MG Editores O Sentido da Vida, Dalai Lama, Martins Fontes
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Quando o ano acaba, vem uma sensação de alívio. Ufa, mais uma etapa foi cumprida! Mas bate a ansiedade do que está por vir. O que me espera? Pesa-se o que deu e o que não deu certo. Lembra-se do que ainda não se conquistou... É fato. Embora cada dia seja precioso, é nessa virada que refletimos melhor sobre o sentido da vida – quando nos propomos à quebra da rotina, à pausa no trabalho, à viagem para ver família e amigos, ao descanso. Também vem à tona a sensação de finitude. “Cada ano é um a menos de vida e um a mais vivido. Isso nos remete a todas as nossas metas e ao limite da existência”, diz o psicólogo Carlos Alberto de Oliveira Carvalho. No dia da virada, porém, o peso dos planos que saíram meio tortos – ou nem saíram – e das situações chatas é sublimado pelas boas expectativas. Já dizia o poeta Mário Quintana: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano / Vive uma louca chamada Esperança”. À meia-noite de 31 de dezembro, o mundo é tomado por beijos e abraços. Deseja-se felicidade, paz e saúde. Como se controlássemos a vida, pensamos que tudo vai dar certo. E esquecemos que os “erros” fazem parte do enredo de 365 dias – um após o outro. Grande engano. “Quando planejamos algo, devemos estar receptivos aos sinais da sincronicidade, prestando atenção no que sentimos e no que acontece ao nosso redor para conseguirmos identificar as oportunidades que surgem”, lembra a psicóloga Regina Nanô. Trocando em miúdos, é preciso deixar-se embalar pela vida, adequando-se ao seu ritmo, a cada instante. Porque as surpresas vêm. E se você (ainda) não sabe, a vida é feita delas.
Buscando novos sentidos Quando a vida toma um novo – e inesperado – rumo, temos duas opções: bater com a cabeça na parede e perguntar “por que comigo?” ou encarar a situação de frente e dar sentido a ela. Ninguém está livre do perrengue. Quando tudo são flores, férias e festas, a vida chega de mansinho e... zupt!, puxa seu tapete. Foi mais ou menos o que aconteceu com um amigo publicitário carioca. Depois de um período de férias, ele voltou para trabalhar em outubro e, para sua surpresa, foi demitido no primeiro dia de volta. “Levei um susto, passei dois dias baqueado. Mas quando percebi que isso era fruto da minha insatisfação, relaxei e comecei a me preocupar com o que vinha sonhando nos últimos meses ou, talvez, anos”, conta Ricardo. Em vez de sair por aí procurando outro emprego, inscreveu-se nos cursos de roteiro, poesia e fotografia que sempre quis fazer e começou a escrever um romance. “Cada situação pede para que se pense no que é preciso mudar em si para atender à demanda externa. É como se regenerar”, diz Regina. Ricardo tem a vantagem de conseguir se sustentar até o começo do ano sem salário fixo: além de morar só, tem bens materiais e a família por perto. Mas isso tudo, somado à vontade de remanejar a vida profissional, falou mais alto que o senso comum do “fracasso” por estar desempregado.
Essa ideia de superação, aliás, é belamente descrita no recente filme italiano Caos Calmo (de Antonello Grimaldi), em que o protagonista Piero (Nanni Moretti), depois da morte da esposa, decide passar as manhãs na praça em frente à escola da filha de 10 anos até sua saída. Sua postura e a da menina são questionadas pela cunhada e o irmão, que não os veem soltar uma lágrima sequer durante o luto. Diariamente, Piero pede que a filha acene da janela da sala de aula, enquanto ele interage com vizinhos e frequentadores da praça. Despreocupado com o trabalho, faz os colegas saírem do escritório para irem ao seu encontro. Quando fica claro que o pior já passou, a filha explica que a situação (de ter o pai no portão da escola o dia inteiro) se tornava embaraçosa entre os amiguinhos. A singela conversa revela o quanto a dor de ambos foi abrandada pelo “acordo” que mantiveram. Segundo o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, autor do best-seller Sentido para Vida, alguém que tenha um “porque” pode conviver com qualquer “o que” e qualquer “como”. Piero não só encontrou seu “porque” (a filha), como seu “o que” (a praça) e seu “como” (as novas amizades) para lidar com a própria dor. Como no caso dele, todos temos que encontrar a boia na qual nos apoiar para não perdermos o rumo – ou corremos o risco de nos afogarmos.
Futuro distante Quando não nos prendemos ao passado, insistimos em projetar felicidade, bemestar e conquistas profissionais a um futuro beeem distante. E o chavão “ano novo, vida nova” deixa a desejar, já que a vida está sempre aquém do que se quer. Não agimos assim à toa. Desde bebês, somos constantemente influenciados por um rol de convicções sociais e perspectivas lançadas por pais, amigos, colegas da escola, faculdade e trabalho. Claro que não é fácil romper com esses valores e crenças. Mas avaliar o que motiva de fato a celebração de um novo ano pode ser um meio de dar um baile na mesmice perigosa que ronda nossas vidas. “Todo recomeço exige um olhar interno para o que quero e acredito, o que gero dentro e fora de mim e quem decide sobre minha vida”, diz Regina. Para a funcionária pública Valmira Alice Cardoso, de 58 anos, do amanhã não se sabe nada. “Só tenho a certeza de que uma força me faz superar qualquer dificuldade. E aprendi que sou a única responsável pela minha felicidade.” Criada nos idos de 1950 em Uauá, no sertão baiano, em uma família de 13 filhos – e numa época em que levava os estudos na base da decoreba e da palmatória –, Alice mudou-se para Salvador aos 22 anos. Passou por dificuldades, foi recepcionista e escriturária, formou-se em Geografia e prestou concurso público em busca de estabilidade. Hoje tem seu próprio apartamento e, sempre que pode, viaja pelo mundo. “Em toda minha vida, tive o sonho de ser livre, de não me submeter aos caprichos e desejos de ninguém”, diz.
Enxergar as próprias metas não significa necessariamente entrar num embate social, mas ter ética humana. No livro O Sentido da Vida, Dalai Lama afirma que a existência é impulsionada pela ação ética, o que inclui o respeito a si e ao outro e o entendimento da relação entre ação e efeito. Custou para que a paulistana Paula Andrea Stäger, de 31 anos, entendesse que o que buscava não estava nem em um futuro distante, nem nos anseios da família. A cada novo emprego em São Paulo, ficava mais triste. “Até que mamãe me viu chorar e disse: ‘Vá em frente’”, conta Paula. Em busca da cidade ideal, traçou quatro rotas no mapa do Brasil, pesquisou sobre condições climáticas, qualidade de vida e oferta de emprego e rumou ao Nordeste e Norte. Em dois meses, fixou-se em Manaus. A busca pela renovação foi tão presente que as dificuldades viraram ferramentas para seguir em frente. Até se firmar na área de arquitetura, Paula morou em albergue e fez pulseiras artesanais para sobreviver. “Minha produção foi tão farta que paguei aluguel e comprei um notebook”, diz. Em dois anos, cursou pós-graduação, foi contratada como engenheira de segurança do trabalho, comprou um apartamento e visita a família duas vezes ao ano. E vive muito mais feliz.
Nós, mutantes A história de Paula mostra que a vida está onde pulsa. E nem sempre esse pulsar está onde prevíamos ou imaginávamos. Resultados no trabalho, planos do casamento, roteiros de viagens... Tudo se transforma ao mesmo tempo que nós, humanos. Uma amiga disse: “Aceite o fluxo. Hoje você pode ser rio, amanhã fundir-se ao mar e, depois, virar chuva”. É bem por aí. Ninguém se dá conta do que é e de como é até que passe pela situação. E somos testados em cada (aparente) vão momento. Cabe a nós percebermos e abraçarmos as oportunidades que aparecem – mesmo que muitas vezes elas estejam fora daquele esquema que programamos. “É no agora que recebemos inspiração e é vivendo neste exato momento, plenos de atenção, que abrimos a porta para começar uma vida nova”, afirma a psicóloga Regina. Não quer dizer que precisemos abandonar planos e dar respostas imediatas às propostas que surgem. Mas, sim, que é preciso pensar no que se quer de verdade, sentir-se mobilizado por isso e aceitar o que está por vir, seja ele bom ou ruim. “O que nos causa sofrimento é nos enrijecermos com a ideia de que ‘tem que ser assim’ quando, na verdade, há uma razão para que seja de outra maneira”, diz a monja Coen Sensei, da Comunidade Zen Budista de São Paulo.
O ser humano é movido pelo dinamismo. “O que o diferencia dos outros seres é sua capacidade de ser consciente de si, do outro, da vida”, diz o psicólogo Carvalho. Para o psicoterapeuta e escritor Flávio Gikovate, evitar mudanças por não suportar períodos de dúvida e incerteza é ficar fadado ao atraso. “Em qualquer idade, (essas pessoas) farão parte do grupo dos que se tornaram velhos – conservadores, cristalizados em suas crenças”, afirma. O maior desafio é envelhecer fisicamente ao mesmo tempo em que se renova. Quando Sônia de Andrade Pereira tinha 9 anos de idade, seu pai perguntou o que faria na velhice. Ela disse: um jardim. Aos 68 anos, mora em uma casa de vidro na região da Serra da Bocaina, em Parati (RJ). “A casa é consequência daquele jardim. Costumo dizer que ela é como eu, aberta”, conta Sônia. Em meio às flores e aos sons de um riacho próximo, Sônia entendese em contínua transformação, curtindo cada plantinha e preguinho que coloca na casa. “A vida segue seu curso, indiferente em relação ao que você quer ou deixa de querer. Ela não se modifica em função da pessoa – somos nós que temos que nos modificar em função das circunstâncias”, diz.
Saber compartilhar Nem todo mundo tem o jardim de Sônia para devanear. Ao contrário, compreenderse humano e finito quando se está mergulhado no dia a dia é um desafio. No entanto, perder-se na multidão implica perder a si mesmo – e o sentido de viver. Por sorte, a convivência das festas de Ano Novo incita essa percepção. “Por meio do encontro, nós nos reconhecemos vivos uns nos outros”, diz Carvalho. Para o psicólogo, o segredo está em ver a si e ao outro como parte de algo maior. “É perceber o ser humano como um agente transformador, um elo que ajuda a sustentar o todo”, explica. Não se trata de assumir uma causa por amigos e conhecidos, mas de estar disponível para dedicar-se a pessoas ou lugares com os quais não se tem um relacionamento íntimo. Doar-se, mas sem perder o senso crítico. O vigia Severino Martins Pereira, de 36 anos, é um exemplo. Tornou-se jardineiro oficial da rua Aimberê, onde trabalha, no bairro paulistano de Sumaré, porque transformou as calçadas da quadra onde trabalha em uma minipraça. Começou quando decidiu plantar mudas no canteiro em frente à cabine para que os cães parassem de fazer cocô na calçada. Os vizinhos gostaram tanto dos jardins que começaram a levar plantas para Severino cuidar. “Acabei arrumando os canteiros de toda a calçada. Além de tornar meu trabalho mais prazeroso, fiz amigos e consegui serviços extras, cuidando do quintal dos vizinhos”, conta o vigia. Já a jornalista Ligia Terezinha Pezzuto, de 47 anos, tornou-se voluntária de uma igreja paulista ao sentir que os devotos desabafavam com ela quando a encontravam. “No Serviço de Escuta da igreja, simplesmente ouço os desabafos para ajudar as pessoas a se livrar de uma carga emocional e ter mais clareza do que estão vivenciando”, conta Lígia, que se dedica ao voluntariado há cinco anos. Cada um de nós pode contribuir para o bem-estar do aqui e agora. Se a vida surpreende, nós podemos nos surpreender ainda mais com o que somos capazes de fazer para vivê-la bem. A partir de agora.
LIVROS Nós, Humanos, Flávio Gikovate, MG Editores O Sentido da Vida, Dalai Lama, Martins Fontes
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